segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Sonetos de petrarca

Seis sonetos de Petrarca


III

Se a minha vida do áspero tormento
E tanto afã puder se defender,
Que por força da idade eu chegue a ver
Da luz do vosso olhar o embaciamento,

E o áureo cabelo se tornar de argento,
E os verdes véus e adornos desprender,
E o rosto, que eu adoro, empalecer,
Que em lamentar me faz medroso e lento,

E tanta audácia há de me dar o Amor,
Que vos direi dos martírios que guardo,
Dos anos, dias, horas o amargor.

Se o tempo é contra este querer em que ardo,
Que não o seja tal que à minha dor
Negue o socorro de um suspiro tardo.



VIII

Ó Pai, depois dos dias ociosos,
Depois das noites a velar em vão,
Com este anseio no meu coração,
Mirando os atos por meu mal viçosos,

Praza-te, ó lume, que a outros mais formosos
Caminhos e a mais bela ocupação
Eu me volte, fugindo à dura ação
Do inimigo e aos seus meios cavilosos.

Dez anos mais um hoje faz, Senhor,
Que me vi submetido à tirania
Que sobre o mais sujeito é mais feroz.

Piedade tem do meu não digno ardor,
Conduz meu pensamento a melhor via,
Lembra-o de que estiveste numa cruz.



XXXII

Quanto mais perto estou do dia extremo
Que o sofrimento humano torna breve,
Mais vejo o tempo andar veloz e leve
E o que dele esperar falaz e menos.

E a mim me digo: Pouco ainda andaremos
De amor falando, até que como neve
De dissolva este encargo que a alma teve,
Duro e pesado, e a paz então veremos:

Pois que nele cairá essa esperança
Que nos fez delirar tão longamente
E o riso, e o pranto, e o medo, e também a ira;

E veremos o quão freqüentemente
Por coisas dúbias o ânimo se cansa
E que não raro é em vão que se suspira.



CLXXXIX

Vai o meu barco, cheio só de olvido,
À meia noite, ao árduo mar, no inverno,
Entre Cila e Caríbdis; e ao governo
Vê-se o senhor, melhor: meu inimigo.

A cada remo um pensar atrevido
Parece rir à vaga e ao próprio averno:
Rompe as velas um vento úmido, eterno
De esperanças, desejos e gemidos.

Chuva de pranto, névoa de rancor
Afrouxa e banha os cabos extenuados,
De ignorância trançados e de error.

Foge-me o doce lume costumeiro,
Razão e engenho da onda são tragados;
E eis que do porto já me desespero.



CXC

Uma cândida cerva me surgiu
sobre o verde gramado – os cornos de ouro –,
entre dois riachos, à sombra de um louro,
na estação fria, mal o sol se abriu.

Tão doce em mim tal vista se imprimiu,
que por segui-la toda lida ignoro,
como o avarento em busca de um tesouro,
tanto assim meu tormento se evadiu.

“Ninguém ouse tocar-me” – escrito havia
no colo, entre topázios e diamantes,
“que eu fosse livre César ordenou”.

Já o claro sol chegava ao meio-dia,
quando eu, de olhos absortos, ignorantes,
escorreguei para a água, e ela escapou.



CCXXIV

Ó minha alcova, que já foste um porto
Às tempestades que cruzei diurnas,
Fonte agora de lágrimas noturnas,
Que no dia, por pejo, ocultas porto;

Ó leito, onde encontrei paz e conforto
De tanta mágoa, que dolentes urnas
Sobre ti verte o Amor com mãos ebúrneas,
Só para mim crueza e desconforto!

Porém do meu retiro e do repouso
Não fujo, mas de mim e do pensar,
Que tanta vez segui num devaneio;

E em meio ao vulgo adverso e inamistoso
(Quem diria?) refúgio vou buscar,
Tal é de ficar só o meu receio.


(Traduções de Renato Suttana)

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