Cecília Meireles
Balada das dez bailarinas do cassino
Dez bailarinas deslizampor um chão de espelho.Têm corpos egípcios com placas douradas,pálpebras azuis e dedos vermelhos.Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,e dobram amarelos joelhos.Andam as dez bailarinassem voz, em redor das mesas.Há mãos sobre facas, dentes sobre florese com os charutos toldam as luzes acesas.Entre a música e a dança escorreuma sedosa escada de vileza.As dez bailarinas avançamcomo gafanhotos perdidos.Avançam, recuam, na sala compacta,empurrando olhares e arranhando o ruído.Tão nuas se sentem que já vão cobertasde imaginários, chorosos vestidos.A dez bailarinas escondemnos cílios verdes as pupilas.Em seus quadris fosforescentes,passa uma faixa de morte tranqüila.Como quem leva para a terra um filho morto,levam seu próprio corpo, que baila e cintila.Os homens gordos olham com um tédio enormeas dez bailarinas tão frias.Pobres serpentes sem luxúria,que são crianças, durante o dia.Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,embalsamados de melancolia.Vão perpassando como dez múmias,as bailarinas fatigadas.Ramo de nardos inclinando floresazuis, brancas, verdes, douradas.Dez mães chorariam, se vissemas bailarinas de mãos dadas.
(in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário