🌧️ ÁUREA
(poema para uma árvore com nome e alma)
Na calçada da infância, molhada de brisa,
uma árvore crescia sem pressa nem riso.
Minha mãe a plantou num tempo sem data,
com mãos de ternura e alma sensata.
Chovia. O céu derramava lembrança.
Meu pai fez um bolo — desses de infância.
Era simples, macio, com cheiro de lar,
bolo que abraça sem precisar falar.
Sob o guarda-chuva, fomos — mãe e eu —
até a árvore que o tempo cresceu.
E ali, na calçada sagrada de casa,
batizamos a árvore com nome de asa:
Áurea.
Nome de luz, de brilho discreto,
de ouro antigo, de gesto completo.
Oferecemos o bolo, um pedaço do ser,
como quem diz: “Você vai viver.”
Meu pai na janela sorriu em silêncio,
viu a cena pequena com olhar imenso.
E a rua, a chuva, o tempo e o chão
pararam por um segundo de contemplação.
Desde então, a árvore se fez memória,
com raiz no quintal e galhos na história.
E até hoje, quando o vento me toca,
ouço a Áurea sussurrar com voz de broca:
“Fui batizada com amor e farinha,
com chuva no céu e menina sozinha.
Agora sou árvore, nome e saudade,
sou o altar da tua primeira verdade.”
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